Megaincêndios, cheias rápidas, novas espécies: os efeitos das alterações climáticas em Portugal
Imagine o verão de 2080, chega à praia da Costa da Caparica, e tem menos 20 metros de areal para desfrutar de um dia de verão. É um dos cenários possíveis em zonas costeiras, resultado da subida do nível do mar e das tempestades nos oceanos, “que irão intensificar-se e acontecer com mais frequência”, afirma o oceanógrafo Paulo Relvas, do Centro de Ciência do Mar do Algarve (CCMAR) ao Conta Lá. Este é só um dos impactos diretos que podem fazer parte do futuro dos portugueses, causado pelas alterações climáticas.
À escala nacional, os efeitos “são cada vez mais visíveis e têm um vasto campo de consequências”, explica o presidente da ZERO, Francisco Ferreira. Em menos de um mês, Portugal assistiu à passagem de duas tempestades que deixaram várias zonas do país em alerta laranja. Da tempestade Melissa à Cláudia, os efeitos das chuvas intensas inundaram ruas no Alentejo, no Algarve e em Setúbal, onde morreu afogado um casal de idosos, cuja habitação ficou alagada. Francisco Ferreira sublinha que são situações para as quais “ainda não estamos preparados", embora “saibamos como devemos agir”, como por exemplo “relocalizar populações”.
As consequências são sentidas a nível mundial e “não só em pequena escala” explica o oceanógrafo Paulo Relvas ao Conta Lá, destacando “que ainda é difícil dimensionar os efeitos nacionais a longo prazo”. No entanto, o panorama que Portugal tem vindo a assistir, traduz um aumento significativo das cheias rápidas, das secas e do prolongamento do tempo dos incêndios florestais, que “podem transformar-se em megaincêndios” devido “às condições meteorológicas do momento” além das “condições climatéricas alteradas”.
Portugal registou, este ano, o verão mais quente desde há quase um século. As temperaturas médias superaram 1,55º C do habitual, anunciou o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), agravadas pela passagem de três ondas de calor. Um cenário marcado pelo aumento dos períodos de seca, que evidencia alterações no quotidiano dos portugueses, acrescenta o Presidente da ZERO, Francisco Ferreira.
A Organização Meteorológica Mundial (OMM), alertou que até 2029 o aquecimento médio deverá superar 1,5°C. Um fenómeno que vai além da escala nacional e que o climatologista Carlos da Câmara destaca no debate “Sustentabilidade e Alterações climáticas” promovido pela Conta Lá. O climatologista explica que haverá locais “em que as temperaturas podem aumentar 8°C e outros em que poderá diminuir”.
Os climas mediterrânicos, como o de Portugal, apresentam, segundo o climatologista, “características mais sensíveis” porque irão “tornar-se mais próximas das desérticas”. O cenário configura uma situação de vulnerabilidade, dada a geografia do país, que explica as chuvas intensas e o aumento das temperaturas sentidas nos últimos anos.
Alterações climáticas antecipam vindimas
As alterações climáticas têm grande impacto também em setores como a agricultura. Carlos Teixeira, enólogo da Quinta da Lixa, situada no distrito do Porto, frisa que o aumento das temperaturas tem levado a vindimas antecipadas, quando “normalmente deveriam acontecer entre o início de setembro e o fim de outubro”. Uma diferença temporal que até poderia ser considerada positiva para a colheita e produção do vinho, mas que a longo prazo poderá ter efeitos contrários.
“As temperaturas excessivas não são boas para a maturação porque a planta protege-se e não permite que a uva amadureça”, explica.
Se as temperaturas atingirem novos máximos, o desenvolvimento das uvas só poderá ser concluído “depois do calor excessivo passar”, levando a uma colheita tardia e que “poderá afetar a qualidade do produto”. Para Carlos Teixeira, a prevenção está na implementação de novas medidas e numa ação mais conscienciosa, visão para a qual a Quinta da Lixa diz contribuir.
Águas mais quentes
Os efeitos do aquecimento global são visíveis até nas águas portuguesas. Este verão, as temperaturas à superfície do mar, em Faro, registaram um novo máximo dos últimos 20 anos, com temperaturas perto dos 26ºC no mês de junho, mais 5ºC do que o habitual, devido a uma onda de calor marinha.
O aumento verificado pela monotorização da Marinha Portuguesa levou mais turistas às praias, mas não só. Rui Peres dos Santos, biólogo do Centro de Ciência do Mar (CCMAR), explica ao Conta Lá que também as espécies marinhas tropicais quiseram visitar as praias do Algarve. Uma visita de Baleias-de-Bryde e do Golfinho-Pintado-do-Atlântico, ambas espécies de águas mais quentes, pouco avistadas até então na costa algarvia. Mas este não é um caso isolado.
“Nos últimos 30 anos, há espécies de águas mais tropicais, que passaram a ser vistas com mais frequência nas águas dos Açores, da Madeira ou até em Portugal continental”, afirma o biológo.
A atração de novas espécies preocupa os investigadores, uma vez que poderá ter implicações nas que já são residentes, podendo levá-las a procurarem outros locais. As alterações climáticas podem ter consequências “no turismo” e “no que consumimos”, explica Rui Peres dos Santos.
Portugal mais verde
Portugal tem revelado esforços em matéria ambiental, ocupando agora a 15.ª posição na segunda edição do “Índice de Transição Verde” (Green Transition Index, GTI), realizado pela consultora Oliver Wyman, que avalia o progresso de 29 países europeus em matéria de sustentabilidade e redução de emissões de carbono. Portugal subiu três lugares da edição de 2024, ficando acima da média europeia.
Para Francisco Ferreira, presidente da ZERO, os gases de efeito de estufa só diminuirão “se investirmos em adaptação climática” desde já, o que “vai sair-nos mais barato no futuro”. E para o efeito é importante, “mais do que nunca”, pensar em metas concretas, que também foram discutidas no Pavilhão de Portugal na 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP30), que aconteceu no mês de novembro, no Brasil.
A Ministra do Ambiente e Energia de Portugal, Maria da Graça Carvalho, contou à Agência Lusa que é importante “preparar a segurança nacional”, sendo necessário “lutar contra os efeitos das alterações climáticas”.